sábado, 6 de outubro de 2012

ATORES ESQUECIDOS – OS ANÔNIMOS HERÓIS DA RESISTÊNCIA



No momento em que a Comissão da Verdade dá seus primeiros passos e começam a surgir os primeiros conflitos e sinais dos limites políticos impostos a seu trabalho, defrontamo-nos com uma combinação de fatores que está gerando enorme desconforto nos grupos de pressão que há décadas clamam finalmente escrever a verdadeira história que se passou durante TODO o período de vigência da ditadura cívico-militar.
Está claro que somente a pressão política poderá produzir um resultado minimamente satisfatório nos marcos em que a comissão brasileira foi criada, embora com a certeza de que ficará muito aquém das experiências vividas em outros países que implementaram comissões semelhantes após findos seus regimes totalitários.
Se por um lado, tudo parece apontar para um desfecho ‘não tão honroso’ para a nossa comissão nacional, de outra parte parece haver uma lacuna sobre um período que envolve atores até aqui praticamente esquecidos: os duros anos de 1972 a 1979, período em que a ditadura já começava a apresentar seus primeiros sinais de enfraquecimento e optando, não sem imensa pressão interna e externa, pela estratégia da ‘abertura’, na certeza de que seus dias estavam contados.
Porque limito o período entre 1972 a 79? Em 1972 o Exército conseguiu dobrar a ‘Guerrilha do Araguaia’, assassinando a maior parte de seus militantes e prendendo os poucos sobreviventes. Ao mesmo tempo eliminava as resistências nas cidades os últimos resquícios dos grupos clandestinos da esquerda, já então totalmente inoperantes diante da intensa repressão, sendo que a maior parte dos seus ‘altos quadros’ dirigentes já se encontrava no exterior na condição de exilados políticos, cada qual percorrendo o calvário a seu modo, de forma individual ou em grupo.
Em 1979 é promulgada a Lei da Anistia, ‘acordão’ das elites para viabilizar o retorno dos exilados políticos e propiciar um ‘clima tolerável’ no cenário interno, face ao abrandamento da repressão assassina e a estratégia da ‘abertura política’.
É justamente nesse período, no qual grande parte da militância clandestina sobrevivente se encontrava sob a guarda do exílio político no exterior, outra parte já morta e outra presa nas cadeias dos órgãos de repressão, que se concentra uma imensa gama de atores que dentro do país fomentaram a resistência e o combate à ditadura, não mais com as conhecidas organizações clandestinas que tomaram em armas, mas em pequenos grupos, embora muitos operando em regime de clandestinidade ou semi-clandestinidade. O campo de atuação se resumia praticamente ao movimento estudantil que, por suas características, apresentava melhores condições para a juventude se organizar e tramitar as reivindicações educacionais, mas também as consignas gerais como ‘liberdades democráticas’, ‘luta contra a carestia’, ‘liberdade de organização sindical’, ‘eleições gerais em todos os níveis’, e outras reivindicações sócio-econômicas e culturais.
Os órgãos de repressão voltavam-se ao controle desses ‘movimentos’ emergentes uma vez que as conhecidas ‘organizações de esquerda revolucionária’ estavam praticamente neutralizadas para efeito de mobilizações políticas no cenário interno.
Milhares de jovens militantes, especialmente nas universidades se engajaram na dura tarefa de resistência interna, com vistas a pressionar o regime para acelerar o processo de democratização, o que não se deu sem muito sofrimento, mortes, pancadaria, seqüelas de todo tipo, físicas ou psicológicas, da mesma forma como tinham sofrido aquelas pessoas que já não se encontravam mais no país.
Milhares desses jovens engajaram-se na campanha pela democratização e pela anistia política, enfrentaram bravamente a policia de choque em suas memoráveis passeatas de protesto, promoveram abaixo-assinados pelo retorno dos exilados, pela soltura de presos políticos vítimas do AI-5 e a legislação repressora, picharam muros de prédios e equipamentos públicos com palavras de ordem de todo tipo esquivando-se da polícia em frias madrugadas, e outros tantos esforços humanos, aqui impossíveis de alinhavá-los em sua riqueza e totalidade. Esse imenso conjunto de personagens compõe uma legião de incontáveis ‘anônimos’ que, devido a sua condição social ou relações políticas singulares, não foram guindados a ‘heróis revolucionários’ pelas então conhecidas organizações de esquerda.
De forma alguma pretendo diminuir o mérito e o papel político daqueles que foram torturados e mortos pelos órgãos de repressão, mas repor no cenário de então, um ‘outro time’, aquele que não recebeu reconhecimento algum pelos seus feitos, certamente também heróicos, embora não pagando com a vida, o exílio, ou as seqüelas advindas das torturas, pessoas estas que tiveram sua trajetória política detalhadamente historicizada e foram contempladas, bem ou parcialmente, por reparações econômicas advindas da ‘lei de reparações’ promulgada em 1995 ( Lei.......).
Já o ‘time dos anônimos’ que aqui lembrado, a turma menos famosa de todo esse maquiavélico e torturante enredo, embora sob o tacão de imensa repressão, também sofrendo perseguições de toda ordem, seja nos locais de estudo, de trabalho ou moradia, tem o seu papel e heróica história de resistência nesse período, solenemente ignorado pela Comissão da Verdade. Enquanto ela procura os corpos dos desaparecidos políticos, não enseja qualquer esforço oficial para procurar os documentos produzidos pela repressão que assinalavam os movimentos desse imenso ‘time dos anônimos’, via de regra retratadas nas famosas ‘fichas do DOPS’, tidas como em grande parte ‘sumidas’, fantasia premeditadamente produzida com vistas a obstaculizar a reconstituição da verdadeira história da resistência política contra a ditadura nesse período.
A Comissão da Verdade, portanto, tem também como tarefa sair a procura dos documentos escondidos pelos chefes dos órgãos de repressão, para não somente fazer jus a um direito político tão importante quanto aquele que procura obter um registro de um cadáver de um militante assassinado pela repressão, como também para propiciar um entendimento histórico do papel que jogaram esses ‘heróis anônimos’ na sua brava luta de resistência interna contra a ditadura e na luta pela democratização a qual hoje vivenciamos em modo metamorfoseado.
Verdade verdadeira só pode existir se TODOS os atores forem contemplados!
Agosto de 2012, Gert Schinke, um ‘anônimo’ da resistência à ditadura militar

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